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A atual emergência climática requer uma resposta imediata, abrangente e decisiva

Por Leonardo Lacerda, diretor-gerente para o Clima, The Nature Conservancy

 a silhueta de um beija-flor voando, com o sol brilhando através de suas asas criando um efeito de arco-íris

Há uma conexão inegável entre a saúde humana e a do planeta. Em sua origem, a palavra “crise” em grego significava um “ponto de inflexão de uma doença” em que o paciente se cura ou morre. Hoje, enfrentamos uma crise climática e de biodiversidade que exige uma resposta emergencial. Algo que os últimos dois anos de enfrentamento da pandemia nos ensinaram é que medidas incrementais e ações parciais são claramente insuficientes para lidar com a escala dos desafios do mundo atual. Seja a COVID-19 ou a mudança climática, a necessidade de transformar nosso comportamento só se equipara à necessidade de um movimento imediato em toda a economia para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e proteger as comunidades e ecossistemas mais vulneráveis do mundo.

Deveria ser óbvio para todos que a mudança climática é um fato de nossa vida cotidiana e que, inegavelmente, afeta os seres humanos de maneiras impressionantes: inundações, incêndios florestais, seca, fome, ondas de calor e temporadas de tempestades mais intensas e mais longas, entre outros exemplos. No entanto, a luta não está perdida. Embora seja intimidante e os desafios numerosos, as oportunidades para superá-los ainda estão ao nosso alcance. Os relatórios mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirmam que, se forem tomadas ações decisivas, ainda é possível conter o aumento da temperatura mundial e evitar que ela supere o limite crítico de 1,5 graus Celsius. Embora o objetivo seja manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C, devemos enfatizar que cada décimo e até centésimo de grau faz uma enorme diferença para o futuro.

vista aérea da floresta amazônica dividida ao meio por um extenso campo desmatado
Desmatamento na Amazônia Vista aérea de uma área desmatada na região de São Félix do Xingu, próxima à vegetação nativa preservada. © Haroldo Palo Jr.

Pessoalmente, eu valorizo bastante essas pequenas diferenças e seu potencial impacto nas formas de vida do planeta. Como brasileiro, e como muitos de meus compatriotas, sinto-me profundamente afortunado por ter nascido e sido formado pela incrível natureza e cultura do meu país. Minha carreira e curiosidade por outras culturas fizeram da Europa meu lar há anos,  no entanto, tenho tido oportunidades de saborear novamente as paisagens da minha infância, embora com ressalvas. Recentemente, tive a oportunidade de pegar um voo de Brasília para Belém. Fazia mais de vinte anos desde a última vez em que eu havia voado nesse trecho. Naquele tempo, o voo oferecia uma visão panorâmica do cerrado intocado seguido pela floresta tropical amazônica – um tapete verde entrecortado apenas pelos rios Tocantins e Amazonas e seus afluentes. No entanto, apenas duas décadas depois, blocos enormes compostos por quadrados marrons e verde-claros gerados pela indústria agropecuária recortam o verde outrora unificado: uma pintura cubista de formas artificiais em ângulos retos e de bordas afiadas. Dizer que tal visão foi desanimadora seria um eufemismo: a verdade é que aquilo me causou verdadeiro pavor. Tenho orgulho de que meu país ajude a alimentar o mundo, mas estou certo de que existem maneiras menos destrutivas de alcançar esse objetivo.

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Curar o planeta não é uma missão solitária. Todos, de cidadãos preocupados a bilionários e funcionários do governo, estão arregaçando as mangas.

Essa viagem me ajudou a apreciar claramente a magnitude e a complexidade do desafio que temos pela frente. Também me lembrou que curar o planeta não é uma missão solitária. Todos, cidadãos preocupados, bilionários e funcionários de governo, estão arregaçando as mangas. Como líderes ambientalistas, é imperativo que criemos um roteiro para a implementação de metas climáticas, com passos ambiciosos que percorram um caminho de investimentos e atividades cruciais para gerar mudanças e ampliar a escala de ação. Minha visão para contribuir com esse futuro requer:

  • Acelerar a transição a energias renováveis por meio de políticas, mercados e soluções regulatórias focadas especialmente em facilitar a localização rápida de energia solar e eólica visando o benefício das comunidades e o avanço nas metas de conservação.
 
  • Projetar e implementar soluções climáticas naturais para mitigar as emissões de gases de efeito estufa por meio da conservação, manejo aprimorado e restauração de ecossistemas críticos em todo o mundo.
 
  • Alcançar resultados de adaptação eficazes e justos por meio de soluções baseadas na natureza que ajudem as comunidades a se adaptarem aos impactos de um clima variante e aumentar sua resiliência.
  • Essas estratégias fazem uso de recursos científicos, políticos e financeiros para fornecer soluções que podem ajudar as pessoas e a natureza a prosperar agora.

 

dois trabalhadores carregam um painel solar para ser instalado em uma fileira de painéis em terra batida
Energia renovável Não precisamos mais escolher entre energia abundante e um ambiente mais limpo; uma revolução de energia renovável está acontecendo em todo o mundo. © Arch Electric
a close-up of a pair of hands caressing soy bean pods against green leaves
Agricultura Regenerativa um close-up de um par de mãos acariciando vagens de soja contra folhas verdes © Isaac Shaw
Energia renovável Não precisamos mais escolher entre energia abundante e um ambiente mais limpo; uma revolução de energia renovável está acontecendo em todo o mundo. © Arch Electric
Agricultura Regenerativa um close-up de um par de mãos acariciando vagens de soja contra folhas verdes © Isaac Shaw

Juntos, podemos e vamos criar um novo futuro em que a natureza e a humanidade prosperem. E como será? Comunidades alimentadas por energia limpa e eficiente com boas oportunidades de trabalho, onde as pessoas deixem de sofrer os efeitos nocivos da poluição e passem a respiram ar puro, beber água limpa e viver livres de toxinas ambientais. Um mundo onde florestas verdejantes fornecem oxigênio, habitat, água doce e beleza. Onde agricultores, pecuaristas e silvicultores cultivam mais alimentos e madeira de forma a tornar os solos mais saudáveis, os alimentos mais nutritivos, a água mais limpa e o clima mais estável. Nos litorais, recifes, manguezais e pântanos atuam como quebra-mares naturais diminuindo os impactos das tempestades

Um mundo melhor para todos nos aguarda, mas requer determinação para enfrentar as urgências; inovação, investimentos e empreendedorismo para criar o inexplorado; políticas corretas e coragem para abandonar o passado e abraçar o novo. As ações nascem nos sonhos. Fazer requer vontade. Nosso planeta e a comunidade mundial estão enfrentando a maior crise que qualquer um de nós provavelmente jamais verá. Estar vivo hoje em dia é aterrorizante, mas ao mesmo tempo milagroso, pois é possível fazer tanto em um momento tão importante da história humana. Este é o chamado de nossos tempos. E inspirado por minha incansável conterrânea falecida aos 96 anos, a poetisa Cora Coralina: “Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros”.