Coalizão Cidades pela Água - 5 Anos

Uma vida de luta para se conectar com a natureza

Benedito Leite e a comunidade quilombola de Rio Claro-RJ conseguiram se estabilizar com a proteção da bacia hidrográfica do rio Guandu.

Minha família saiu do oeste paulista para o interior do Rio de Janeiro nos anos 1950 fugindo da escravidão. Meus avós, meu pai e seus 11 irmãos trabalhavam com carvão e recebiam de volta apenas comida. Era um trabalho pesado e eles imaginavam que a vida poderia ser melhor, ou pelo menos mais digna, se fossem pra outro lugar. Vieram direto para a zona rural de Rio Claro, numa área agora reconhecida como quilombo.

A mudança não acabou com a exploração, só trocou de mãos. Junto à família de meu pai viviam outros quilombolas, todos na mesma situação de dependência econômica do carvão. Novos atravessadores chegaram, compravam com alimento o carvão produzido pela comunidade e o vendiam para uma empresa siderúrgica da capital. Foi aqui que meu pai, Benedito Bernardo Leite Filho, conheceu minha mãe, Terezinha Antério Leite.

Eu nasci quase duas décadas depois, em 1970, e já aos 8 anos de idade comecei a ajudar os adultos com trabalhos de sacaria. Aos 12 mexia direto com o carvão vegetal. Só parei aos 16 anos, quando o negócio começou a perder força porque a fiscalização ambiental aumentou e a atividade carvoeira ficou proibida.

Então os atravessadores sumiram e vieram os grileiros, dando início a um período de resistência e brigas durante todo os anos 1990. Nós lutávamos também pelo reconhecimento do nosso território, o Quilombo Alto da Serra do Mar, pela Fundação Palmares, o que só ocorreu em 2000. Hoje somos cerca de 250 quilombolas vivendo em quase 400 hectares. E ainda aguardamos a titularidade definitiva da terra. 

Nossa história começou a mudar em 2006, quando aderimos ao “Produtor de Água”, um programa do governo que envolve a parceria de muitas organizações. Ao contrário de meus avós, agora trabalhamos com a preservação e isso ajudou a fazer muita gente ficar aqui.

O grande incentivo inicial foi receber, por esse programa, os Pagamentos por Serviços Ambientais, um recurso financeiro que reconhece o valor da floresta em pé. Começamos com R$ 2 mil por ano, mas na medida em que fomos replantando os 6 hectares de mata derrubada e preservando o restante, esses valores subiram. Atualmente recebemos R$ 11 mil. É um dinheiro que permite a nossa organização e planejamento. Tudo é reinvestido: volta na melhoria do curral, do chiqueiro, na compra de sementes e de insumo. E também no combustível que leva nossa produção para Angra dos Reis, onde vendemos quase tudo o que tiramos da roça.

Trabalhamos muito a ideia de conservação da floresta com nossas crianças e jovens porque aprendemos que a mata nunca é prejuízo, mesmo sem o PSA. A mata produz água. A ênfase da restauração era em áreas de nascentes, onde a braquiária reinava. Mas as mudas plantadas cresceram e sombrearam o capim, que morreu. E com as árvores, as nascentes voltaram. Hoje temos quase 30! E a quantidade da água nos rios também aumentou. Dá para ver com os olhos que os rios estão mais cheios. 

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Agora trabalhamos com a preservação e isso ajudou a fazer muita gente ficar aqui.

E não é só isso. Os projetos de conservação também trouxeram benefícios sociais para a nossa comunidade. A geração de renda, por exemplo. Na época do plantio de mudas, os projetos empregaram 15 quilombolas e mais 60 pessoas de Rio Claro, incluindo mulheres. Teve também a questão da educação: graças aos parceiros do programa, a escola primária municipal, que ficou fechada por três ou quatro anos e onde minha esposa é diretora, foi reaberta. Quase 90% das crianças que estudam lá são do nosso quilombo.

A restauração da mata ajudou na formação de corredores ecológicos que trouxeram de volta bichos que nenhum dos meus seis filhos tinha visto. O tucano agora vem comer na minha varanda. Tem também cotias, quatis, tatus e jaguatiricas. Há alguns meses um bezerro de um vizinho morreu. Foi comido por onça!

Todo o nosso entorno é formado por propriedades rurais que vivem de gado para corte e leite. Aqui no quilombo, a principal renda também vem da agricultura, mas dos doces e da roça. Plantamos feijão, milho, aipim, abóbora e hortaliças, todos orgânicos e certificados pelo Ministério da Agricultura. Fazemos vendas coletivas para merenda escolar e asilos, mas os quilombolas também podem entregar individualmente seus produtos. Nosso carro-chefe é o doce de banana diet e vamos colocar em breve no mercado a banana desidratada.

Por enquanto, as entregas são feitas com um carro pequeno de um dos quilombolas. Mas com a nossa produção crescendo como está, vamos precisar em breve de uma caminhonete. 

Este programa e produto é cofinanciado pela Iniciativa Internacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) da Alemanha, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atua como administrador dentro da Aliança de Fundos de Água da América Latina. As opiniões expressas neste produto são dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do IKI, BMU ou BID, de seu Conselho de Administração ou dos países que representam. Saiba mais sobre a Aliança de Fundos e Água