Coalizão Cidades pela Água - 5 Anos
Uma nova forma de garantir a boa gestão da água
O Observatório das Águas, criado em 2015, transformou a governança dos recursos hídricos no país.
Leis boas, mas que não saem do papel. Por diversos motivos, essa tem sido uma tendência relativamente comum em diversas áreas da política pública brasileira, o que implica em gasto de tempo e de dinheiro e na falta de eficácia e efetividade que impedem avançar para os cenários desejados. No caso da gestão das águas não é diferente. O Brasil inovou com uma legislação federal em 1997 e legislações estaduais de recursos hídricos desde 1991 que criaram novas estruturas de governança e descentralizou a responsabilidade e o cuidado com os recursos hídricos, mas a implementação de ações ainda é um desafio em grande parte do país.
Política Nacional de Recursos Hídricos
Criada em 1997, também chamada de “Lei das Águas”, foi o marco crucial para dar início ao ordenamento da gestão da água no Brasil. Com a lei foi criada também a Agência Nacional de Águas (ANA), de entidades estaduais e comitês participativos.
Diante dessa constatação, instituições do poder público, setor privado e representantes da sociedade civil se reuniram em 2015 para construir o Observatório das Águas (OGA Brasil), uma rede multissetorial com a finalidade de monitorar o desempenho do Sistema Nacional de Recursos Hídricos e garantir que a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.422/97) não se torne mais um exemplo de lei “que não pegou”. Formalizada em 2017, reúne atualmente 49 instituições e 13 pesquisadores.
O OGA Brasil chega ao final de 2020 com duas importantes vitórias: a elaboração do primeiro Protocolo de Monitoramento Governança das Águas do país e a adesão das primeiras bacias hidrográficas a esse protocolo, a do Rio Doce (que perfaz os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo) e a do Rio Pardo (no Rio Grande do Sul).
Fruto de quase quatro anos de trabalho, o Protocolo é uma ferramenta que permitirá aos comitês de bacias hidrográficas detectar lacunas nas estruturas de gestão hídrica estaduais e federais, aumentar a transparência de informações e avaliar se a governança está no caminho certo para assegurar o que a lei determina - água em quantidade e de qualidade para as atuais e futuras gerações.
“Nós entendemos, em determinado momento, que apenas ter uma lei para a boa gestão da água não funcionaria. A falta de governança é um dos elementos que pode colaborar para que os objetivos desta lei não sejam atendidos, e o OGA acompanha e pressiona a implementação desse marco legal. Por isso, para nós e para a Coalizão Cidades pela Água, trata-se de um braço importante na estratégia de gestão integrada dos recursos hídricos”, afirma Samuel Barreto, Gerente de Água da TNC Brasil, que integra o primeiro comitê gestor do OGA.
Para chegar ao formato final do protocolo, o OGA realizou uma ampla pesquisa sobre os sistemas de governança de outras políticas públicas no país, como as do setor de Educação, Saúde, Assistência Social e Segurança, e as comparou com os sistemas de governança vigentes nos recursos hídricos. A partir desse olhar para fora, identificou acertos e o que não funcionou, de forma a encurtar o seu próprio caminho de aprendizagem. Primeira aprendizagem: a de que não adiantaria criar indicadores de governança sem pensar em um sistema que o monitorasse.
Em caráter piloto, com o objetivo exclusivo de apresentação, manuseio e feedback da ferramenta, o protocolo foi apresentado aos comitês da bacia do Paraíba do Sul, do São Francisco e do rio Doce. Cinco dimensões da governança estão contempladas: o ambiente institucional, as capacidades estatais, os instrumentos de gestão, as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade. Para cada dimensão há indicadores, pontuados de acordo com o grau de capacidade de execução ou maturidade do comitê. Em instrumentos de gestão são avaliados se as bacias possuem planos definidos, se há cobrança pelo uso da água ou transparência no uso dos recursos, entre outros aspectos. Em interação Estado-sociedade, uma das preocupações é quão bem representada a sociedade está nos comitês: há quilombolas? Pescadores? Indígenas?
Quote: Samuel Barreto
Segundo Angelo Lima, secretário-executivo do OGA, não se trata de um exercício com começo, meio e fim, mas de um trabalho contínuo de coleta de dados, análise e indicações de como solucionar as lacunas de governança.
Aos comitês cabe decidir quais questões abordar, dependendo do que eles entenderem como pontos fracos de governança. Comitês mais estruturados, por exemplo, já contam com câmaras temáticas que podem ser destacadas para trabalhar os 55 indicadores de governança da ferramenta. Outros, com estrutura enxuta e baixa capacidade de execução, precisarão de um apoio mais estreito do Observatório para responder às perguntas e seguir com os processos.
A aproximação foi positiva e culminou com as primeiras adesões. Flamínio Guerra Guimarães, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce), acredita que o protocolo pode ser uma boa ferramenta para a autoavaliação e melhoria dos resultados de gestão do comitê. “Um processo de evolução só acontece a partir do momento em que avaliamos nossas ações, corrigindo e aperfeiçoando os novos rumos. Ter o Observatório da Água como parceiro nos traz a certeza de um trabalho de excelência desenvolvido no território”.
A meta é chegar, ao final de 2021, com ao menos 20 adesões ao protocolo, entre bacias federais e estaduais. Segundo Lima, no futuro, a ideia é criar um banco de dados nacional com informações sobre o estado de governança de cada bacia hidrográfica do país para ampliar os resultados de gestão.
De modo geral, o nível de governança nos 233 comitês de bacias do país ainda é considerado médio para baixo quando analisada sob o espectro das cinco dimensões do protocolo. Isso ocorre devido às distintas realidades de cada região hidrográfica. De um lado, há bacias muito reguladas e com recursos financeiros assegurados pela cobrança da água, como a do PCJ (dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), no Sudeste. De outro, a ausência total de comitês, planos de ação e cobrança pelo uso da água, como na região Norte. Nessas localidades, ainda impera a visão de que, no Brasil de rios caudalosos, gestão da água é só para quem precisa.
Este programa e produto é cofinanciado pela Iniciativa Internacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) da Alemanha, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atua como administrador dentro da Aliança de Fundos de Água da América Latina. As opiniões expressas neste produto são dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do IKI, BMU ou BID, de seu Conselho de Administração ou dos países que representam. Saiba mais sobre a Aliança de Fundos e Água