Coalizão Cidades pela Água - 5 Anos
Quase dois séculos ao lado do rio Tietê
A história de Roberto “Boy” e sua família se mistura com a história da ocupação de uma das principais bacias hidrográficas de São Paulo.
O Sítio Chão D'Água pertence à nossa família há quase 200 anos e está a menos de 15 Km da principal nascente do rio Tietê, em Salesópolis. É uma propriedade pequena, de 22 hectares, e tiramos o nosso sustento das abelhas e das frutas.
Mas nem sempre foi assim. Em 1983 ela foi vendida a um ex-prefeito, que ficou na propriedade até 2003. Nesses quase 20 anos que a família ficou fora, vieram os ciclos do café, do leite e do eucalipto. Aqui, o forte mesmo foi o gado e o pessoal desmatou muito para fazer pastagem. Aí, eu, meu sogro e meu irmão compramos de volta com a proposta de morar e trabalhar nela. Ela estava bastante degradada. E como ela estava muito aberta, a gente voltou com uma proposta de ir recuperando as matas aos pouquinhos.
Foi aí que eu conheci o projeto da TNC, em um encontro em São Paulo, e na hora fiquei interessado porque caiu certinho com o que eu já vinha fazendo, que era a proposta de plantar árvores para melhorar o pasto apícola e diversificar a renda familiar com a oferta de novos produtos, como as frutas nativas da Mata Atlântica. Mas também porque, embora seja uma propriedade pequena, ela tem um potencial de água.
Fomos praticamente um dos primeiros aqui da região a aderir ao programa de recuperação das matas. A gente começou em 2015 com dois hectares de área na cabeceira das nascentes.
Nesse primeiro momento o foco foi só as áreas de preservação permanente. A degradação era bem perceptível. O gado pisava nas nascentes e a própria água que a gente usava na propriedade estava bem exposta. A primeira coisa que foi feita foi o isolamento dessas áreas. A empresa contratada pelo projeto fez o cercamento e depois o plantio de mudas.
O funcionamento do projeto é simples. Você disponibiliza a sua área e assim que o recurso financeiro for captado os trabalhos começam. Como fomos um dos primeiros, não demorou muito. Lembro que o primeiro recurso foi da Kimberly Clark, que tem uma fábrica em Mogi das Cruzes, e depois da Harley Davidson, que também estava trabalhando com o tema floresta. Não sei como funcionavam os trâmites legais, mas foi através deles que foi executado o trabalho para a recuperação de duas áreas de pouco mais de 1 hectare cada.
Recentemente, fechamos o plantio de uma terceira área, de 1,3 hectare, e a proposta é cada vez mais ampliar com florestas para ter alimento para abelhas e frutas nativas, que é uma aposta de mercado que estamos fazendo com a ajuda de uma cooperativa. Com o reflorestamento desta última área finalizado - o que deve ocorrer em dois anos - teremos mais oferta de cambuci, juçara....
Em 2003, quando a gente estava voltando para a propriedade, tinha muito pouca ave aqui. Depois que a gente valorizou a floresta, elas voltaram porque tem alimento para elas. Hoje tem uma variedade grande de espécies, de pássaros pequenos a gavião e águia. Isso é bastante importante para dispersão de sementes, o que acaba contribuindo para aumentar mais as florestas.
Eu quero fazer um levantamento dessas aves. Talvez aqui seja uma rota migratória, não sei. Outra coisa que eu quero fazer é um controle de quanto de água a gente produz na propriedade. Temos duas nascentes principais, que usamos na propriedade. Mas a gente acredita que tenha mais, muito mais, porque essas áreas de APP estavam bem assoreadas e a mina d'água acaba não aparecendo.
A proposta da propriedade é essa: conciliar as abelhas com as frutas e a mata nativa. E fomentar o turismo rural e a educação ambiental também, uma coisa que vem aos poucos.
Quote
Quando eu fiz o primeiro plantio, meus vizinhos comentavam que eu era doido. “Você tá plantando árvore!” É um pessoal com a cabeça muito antiga, do período dos nossos avós, com a ideia de desmatar para ter a área limpa para poder plantar. Isso vem da raiz. Mas eu percebi, ao mesmo tempo, que essa mentalidade vem mudando. Eu sempre faço umas mudinhas nativas aqui e eu tenho percebido bastante vizinho agora procurando muda, interessado em preservar as nascentes. Em 2014, a gente teve uma crise hídrica bastante forte na região e isso deu um susto também. A gente está numa região muito rica de água - nasce água por todo lado. Na Mata Atlântica nunca falta água. Mas muita gente na área rural ficou sem água em 2014 e isso contribuiu para refletir um pouco melhor em relação à água, que é um bem universal.
Além disso, eu estou recebendo o PSA desses dois hectares. Comecei a receber logo no segundo ano de plantio. Então foi em 2016, 2017, 2018, 2019 e esse ano também. É um valor pequeno, mas somando todos esses anos consegui juntar para comprar uma nova caixa d’água. Isso é bom, né? Fora a parte legal, porque a gente sabe que preservar as APPs está na lei...
Se fosse pra fazer sozinho, dificilmente a gente faria. É caro isolar área, cercar, comprar mudas. Se não fosse o recurso dessas empresas, dificilmente a gente conseguiria recuperar essas áreas - ou demoraria muito mais. Para o produtor é difícil sobrar recursos. Muitas vezes ele não tem nem para investir no que ele mais precisa, no básico. É preciso incentivo e eu acredito que esse é um caminho.
Este programa e produto é cofinanciado pela Iniciativa Internacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) da Alemanha, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atua como administrador dentro da Aliança de Fundos de Água da América Latina. As opiniões expressas neste produto são dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do IKI, BMU ou BID, de seu Conselho de Administração ou dos países que representam. Saiba mais sobre a Aliança de Fundos e Água