Coalizão Cidades pela Água - 5 Anos
Como pagar os custos para proteger as fontes de água?
Mecanismos inovadores nas tarifas de água mostram oportunidades para o financiamento da conservação e restauração de bacias hidrográficas.
Garantir a efetividade das ações de infraestrutura verde, de modo que elas não se tornem intervenções pontuais sujeitas a intempéries políticas e econômicas, é um desafio que requer a construção de arranjos institucionais e mecanismos financeiros em diferentes formatos. Nas últimas décadas, a cobrança pelo uso da água, os recursos da compensação ambiental e o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) têm exercido essa função, mas uma nova abordagem econômica em desenvolvimento no país pode representar resultados ainda mais promissores para a perenidade dos projetos de conservação: a inclusão dos investimentos na conservação de mananciais na tarifa de água paga pelo consumidor.
Iniciada em 2012 como um projeto-piloto da The Nature Conservancy (TNC) em Balneário de Camboriú, em Santa Catarina, a “nova conta de água” se tornou um case de sucesso que chamou a atenção do mercado de saneamento e começa a ser estruturada para replicação em São Paulo, no Paraná e no Distrito Federal. A TNC, em parceria com agências reguladoras e companhias de saneamento, trabalha para que ela se torne realidade já em 2021, quando os novos ciclos tarifários estaduais entrarão em vigor.
Empresas de saneamento
São as responsáveis por captar, tratar e distribuir água potável à população assim como a coleta e tratamento de esgoto. Elas prestam contas às agências reguladoras. Há no Brasil empresas de saneamento privadas e públicas.
Essa nova lógica de financiamento para a infraestrutura verde parte do princípio de que o setor de saneamento é a interface da segurança hídrica para as comunidades que atende, na medida em que cenários de eventos climáticos extremos se tornam mais corriqueiros. Cláudio Klemz, especialista em Políticas Públicas da Estratégia de Água do Brasil da TNC, explica que o modelo de negócio do saneamento é limitado, atualmente, a três áreas de atuação: captação, tratamento e distribuição de água. Mas a experiência traumática das crises de abastecimento de 2014/15 em São Paulo e de 2016-17 no Distrito Federal demonstra que, às vezes, a questão é anterior ao business as usual: quando a seca se impõe, não existe água sequer para captar. “Então, temos trazido a mensagem de que o modelo de negócio do saneamento precisa ser atualizado e levar em consideração que é necessário também cuidar da fonte de água para poder captar, tratar e vender. Isso deve estar inserido no seu custo de produção”, diz Klemz.
Quote: Claudio Klemz
É esse cuidado com as fontes de água - os mananciais nas bacias hidrográficas - que começa a ser endereçado com o novo componente financeiro da tarifa. Em linhas gerais, o que se propõe é que uma parcela da conta de água que o consumidor paga mensalmente à companhia de saneamento seja destinada à conservação dos mananciais, permitindo um planejamento territorial mais estratégico e abrangente. Essa rubrica ambiental da tarifa - na realidade, centavos de reais - pode oscilar para mais ou para menos entre um ano e outro, dependendo do ritmo de execução dos projetos. Se as ações de conservação não são realizadas em sua totalidade dentro do calendário anual (por falta de mão de obra, por exemplo), no ano seguinte o valor da rubrica será descontado. Se, ao contrário, a execução tiver êxito, haverá um incremento na rubrica do ano posterior.
Em todos os casos em estudo nos Estados brasileiros, a rubrica da conservação possui um teto. Em Camboriú, o percentual máximo a ser acrescido é de 3% sobre o valor da tarifa. No último exercício fiscal, ficou em 1,44%.
Para o usuário, o ganho é duplo: as soluções baseadas na natureza garantem a oferta de água (independentemente da época do ano) e também melhoram a sua qualidade, o que no longo prazo significa uma conta mais baixa devido à menor necessidade de tratamentos químicos. Além disso, um estudo da TNC mostrou que o custo da proteção de nascentes para o usuário de Balneário Camboriú é próximo de zero quando diluídos entre todas as residências - são necessários somente R$ 0,2 por metro cúbico de área distribuída (ou R$ 4 por ano por domicílio, considerando o padrão de consumo médio de uma família na região).
O município catarinense foi o primeiro do país a adotar o componente da conservação na conta de água devido a um alinhamento de interesses e oportunidades. Conhecido por suas praias, Balneário Camboriú sofre com a chegada, todos os anos, de mais de meio milhão de turistas para as férias de verão, e a pressão que essa população flutuante gera na demanda hídrica local. De um lado, havia a necessidade do poder público municipal de prover água; de outro, metodologias científicas que indicavam como fazer isso.
O esforço inicial envolvendo TNC, Aresc (Agência Reguladora dos Serviços Públicos de Santa Catarina ) e Emasa (Empresa Municipal de Água e Saneamento), resultou na estruturação da modelagem tarifária e a configuração de um plano de ação para implementação dos projetos em áreas prioritárias, identificadas pelo comitê gestor do projeto no âmbito do programa Produtor de Águas do Rio Camboriú. O recurso da tarifa é integralmente aplicado na restauração florestal em áreas ligadas à captação de água da EMASA. Em três anos, completados em 2020, mais de 500 hectares foram conservados em 20 propriedades rurais.
Os esforços regulatórios foram a ponta final de um processo de arranjos institucionais que também servem de inspiração para demais projetos. Um aspecto importante, nesse sentido, foi a validação da metodologia do piloto de Camboriú em todo o Estado. Essa iniciativa foi fundamental para dar estabilidade institucional em todas as esferas de governo e diminuir etapas no processo de replicação da rubrica ambiental a outras bacias de Santa Catarina.
Quote: Hélio Castro
Outro diferencial foi a decisão de não criar um fundo hídrico, mas vincular o componente tarifário ao andamento dos projetos em campo. Silvio Rosa, gerente de regulação da Aresc e uma das mentes mais atuantes por trás de toda a arregimentação institucional e financeira do projeto, afirma que essa decisão traz vantagens como dar à agência reguladora a capacidade de monitorar e auditar os gastos realizados pela concessionária, garantir que o dinheiro seja utilizado exclusivamente para a conservação (e não em custos administrativos de um fundo) e evitar que, em períodos de crise econômica ela seja resgatado para outros fins.
Em Santa Catarina, a próxima etapa na expansão da rubrica da conservação na tarifa de água, atualmente em discussão pela Aresc e a Casan, a companhia de saneamento estadual, será em Florianópolis e representará um salto de complexidade para o projeto. “A expansão para o Estado é um desafio”, diz Rosa. “Começamos no rio Camboriú, que é uma bacia pequena e sem afluentes. Já a bacia do rio Cubatão envolve cinco municípios, incluindo a capital, tem vários afluentes, uma área de preservação enorme e uma população fixa de 1 milhão de pessoas. Ou seja, é um projeto de 10 a 12 vezes o tamanho de Camboriú”.
Novos destinos
A inclusão do setor de saneamento no financiamento da conservação de mananciais representa um ganho de escala importante para a Coalizão Cidades pela Água, e a experiência do rio Camboriú alçou os projetos para outros patamares. Desde os primeiros contatos com a Aresc e a Emasa, as conversas evoluíram rapidamente com a Arsesp (a agência reguladora paulista), Sabesp (maior companhia de água da América da Latina), Adasa (agência reguladora do Distrito Federal), e se encontram em fase inicial com os principais atores do saneamento de Curitiba.
O fornecimento de água aos 22 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo puxa a fila dos desafios desses trabalhos. A maior cidade do país esbarra no fato de que quase 70% da cobertura florestal de seus mananciais, como o do Sistema Cantareira, foi removida, elevando perigosamente as chances de escassez hídrica. A queda na qualidade e quantidade de água é uma ameaça que afeta todos os sistemas de abastecimento da metrópole.
Desde 2017, a TNC tem discutido a implementação da nova metodologia tarifária para o sistema Cantareira, por sua dimensão e importância para o abastecimento. De acordo com Hélio Castro, presidente de Arsesp, os investimentos iniciais - no caso da aprovação da rubrica ambiental na tarifa - recairiam sobre a área que apresentar o melhor retorno do investimento em infraestrutura verde, trabalho que a TNC desenvolve através de modelagens hidrológicas em parceria com a Universidade de Maryland, nos EUA.
Diferentemente de Camboriú, a região metropolitana de São Paulo apresenta uma situação muito mais complexa porque metade da água captada vem de mananciais ligados a outros municípios e bacias hidrográficas. A dificuldade, portanto, está em identificar em qual deles realizar as ações de preservação. “Neste momento estamos desenvolvendo os aspectos técnicos para mostrar exatamente onde e quanto vai ser investido, o que vamos conseguir economizar e como será essa equação ao longo do tempo, usando a experiência que a TNC já teve em outras aplicações, especialmente a de Camboriú”, diz Castro. “Sabemos que quando se preserva um manancial há uma resposta da qualidade e da quantidade da água. Só que essas respostas não são imediatas”.
A TNC também assinou um termo de cooperação com a Sabesp e a Arsesp para calcular o valor dos benefícios ecossistêmicos da conservação em torno dos mananciais. Só a Sabesp tem uma área de 300 Km2 de Mata Atlântica preservada, no entorno dos sistemas Cantareira, Rio Claro, Alto Cotia e Capivari. Esse cálculo ajudará na determinação do valor do componente financeiro para a conservação que está em discussão na tarifa de água paulista.
Este programa e produto é cofinanciado pela Iniciativa Internacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) da Alemanha, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atua como administrador dentro da Aliança de Fundos de Água da América Latina. As opiniões expressas neste produto são dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do IKI, BMU ou BID, de seu Conselho de Administração ou dos países que representam. Saiba mais sobre a Aliança de Fundos e Água