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Soja, mudanças climáticas e desmatamento: transparência na corrida contra o tempo

Por Lisandro Inakake, Leandro Baumgarten e Thiago Masson

A produção de soja no Brasil, neste ano, deve bater mais um recorde: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê uma safra de mais de 151,4 milhões de toneladas.  O setor privado estima que as exportações do grão cultivado no país deverão ultrapassar as 78 milhões de toneladas de 2022.  

Muito em função das demandas do mercado chinês, o interesse internacional pela commodity segue em alta – e ajuda a explicar o recorde estimado nas lavouras brasileiras.  Por outro lado, exemplifica o desafio global de se eliminar o desmatamento e a conversão de vegetação nativa nos sistemas agropecuários até o final desta década. As recomendações do grupo de cientistas da Nações Unidas são claras: essa é uma das condições para a humanidade evitar que o aumento da temperatura do planeta ultrapasse  1,5°C em relação ao nível pré-industrial. 

O 6º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), divulgado em março de 2023, alertou que esse aumento já está em 1,1°C. Algumas das causas? “Mais de um século de queima de combustíveis fósseis e uso insustentável da terra e energia”.  

 

Os alertas da ciência já começam a transformar as regras do jogo no comércio mundial de bens agropecuários. União Europeia e Reino Unido avançam em legislações para impedirem a entrada de produtos associados a desmatamento em seus respectivos portos.  Na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, realizada na Escócia, Washington e Pequim deixaram embates geopolíticos de lado e anunciaram um esforço bilateral para endurecerem a fiscalização sobre o tema.  

É nesse contexto que os relatórios de sustentabilidade das traders devem trazer transparência e evidências sobre avanços e desafios em seus compromissos de eliminarem o desmatamento e conversão de outras áreas naturais do segmento agroindustrial da soja, demonstrando o progresso que atingem frente às metas assumidas de cadeias livres de desmatamento até 2025.

Importante destacar que a demanda por transparência não vem mais apenas da sociedade civil organizada, por pressão de ONGs, mas, principalmente, de investidores e empresas de processamento e comércio próximas aos consumidores. Esses atores estão cada vez mais preocupados com os riscos sociais e ambientais associados às suas cadeias de valor e querem informações detalhadas para a tomada de decisão em relação a compras e investimentos.

Para contribuir com essa agenda, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e a The Nature Conservancy (TNC) Brasil lançaram uma coletânea intitulada “Relatórios de Progresso: por uma cadeia da soja transparente ao demonstrar atuação livre de desmatamento e conversão e com respeito aos direitos humanos”. São três documentos que servem de guia para os diferentes atores da cadeia produtiva.

A coletânea foi elaborada tomando por base iniciativas de reporte e transparência como o Accountability Framework initiative (AFi) e o Global Reporting Initiative (GRI), Carbon Disclosure Program (CDP) e os Parâmetros da ONU para proteger, respeitar e reparar a vegetação nativa, adaptadas para a realidade e dinâmica da produção de soja no Brasil (Cerrado e Amazônia) e Argentina, Bolívia e Paraguai (Chaco). 

O primeiro volume é destinado às traders e traz um roteiro de como elaborar um relatório de progresso e sustentabilidade bem fundamentado e transparente. O segundo foca nas empresas que consomem a soja em seu processo produtivo, como ração animal, óleo vegetal e biodiesel, entre outros. Traz, por exemplo, perguntas-chave e recomendações práticas para avaliação do risco associado ao desmatamento, conversão e violação de direitos humanos antes de assinarem o contrato com a empresa que lhes fornecerá a soja. 

Já o terceiro e último volume da coletânea orienta as organizações de auditoria a avaliarem os relatórios de progresso dos compromissos socioambientais das traders. Aborda, por exemplo, a eficiência do sistema de gestão de compras de soja de fornecedores diretos e indiretos.

Além de contribuir com os esforços globais de combate às mudanças climáticas, as ações para eliminar o desmatamento da cadeia de soja poderão resultar em oportunidades e vantagens competitivas ao Brasil no comércio mundial de grãos. Dados do Guia de Conduta Ambiental lançado pela TNC Brasil em 2021 já evidenciavam que, no Cerrado, existem mais de 18 milhões de hectares já abertos e aptos para o plantio de soja, como, por exemplo, as pastagens degradadas. Essa área é mais do que suficiente para acomodar as projeções de expansão de soja pelo menos até 2030.

A cooperação entre atores públicos, privados e sociedade civil será indispensável para eliminarmos o desmatamento e a conversão na produção e comercialização de soja. Um dos desafios, por exemplo, é dinamizar mecanismos e incentivos financeiros que permitam a manutenção da vegetação nativa em pé nos excedentes de reservas legais dentro das fazendas.

Não há uma solução única para vencermos esse desafio até 2025. Ciência e cooperação deverão estar lado a lado nesse processo.  Neste cenário, a transparência das cadeias agroindustriais é indispensável para avaliarmos se conseguiremos reverter essa corrida contra o tempo.  Sem ela, será como correr no escuro.