Artigos e Estudos

Serviços ambientais e soluções baseadas na natureza: avaliação econômica em foco

Por Marina Aragão, Líder em Economia e Finanças para Amazônia da TNC Brasil

Árvores na região da serra dos agudos na Mata Atlântica © Sergio Reghin Ranalli

Estamos na Década da ONU para Restauração de Ecossistemas (2021-2030), com mais de 2.000 instituições aderindo a compromissos Race to Zero (neutralização das emissões) e avanços significativos na estruturação de Soluções baseadas na Natureza (SbN) públicas ou privadas. Como destaques estão projetos e iniciativas para recomposição de florestas tropicais ao redor do mundo, instrumentos particularmente relevantes para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas como projetos em desenvolvimento na Mata Atlântica e na Amazônia. A consolidação e implementação de muitos desses projetos trazem lições importantes para a discussão, entre elas, a importância do dimensionamento efetivo de riscos, acompanhada das estratégias de mitigação, além da mensuração e valoração da provisão de serviços ecossistêmicos, como regulação climática, que contemplem o relevante valor intergeracional dessas soluções.

A mensuração e valoração dos serviços ecossistêmicos permitem a avaliação do legado de restauração ou de degradação que será deixado para as futuras gerações. Atribuir um valor monetário aos serviços ecossistêmicos passa por quantificar o estoque e fluxo destes serviços em uma determinada geografia e a valoração, em valor presente, dos ativos ecossistêmicos futuros. O dimensionamento do fluxo de serviços ecossistêmicos em termos monetários leva em conta seus valores de troca, exigindo o estabelecimento de vínculos claros entre o usuário-provedor (como os produtores rurais) e o usuário-pagador (como o setor privado) e, consequentemente, o estabelecimento de um mercado de serviços ambientais escalável. 

A avaliação desses vínculos pode realçar, em uma análise custo-benefício, os custos econômicos da perda de serviços ecossistêmicos e evidenciar a relevância desses serviços aos diversos atores interessados, entre eles, os governos como provedores de bens e serviços públicos, afinal, serviços ecossistêmicos trazem benefícios a toda a sociedade. Os esquemas e programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) ajudam a desenvolver mecanismos econômicos e financeiros que viabilizem, por meio da criação de metodologias de valoração em termos monetários, a remuneração adequada a agricultores rurais, agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais pela provisão de estoque e fluxo de serviços ecossistêmicos.

A mensuração e a valoração de serviços ecossistêmicos permitem que as contribuições da natureza à sociedade sejam consideradas e integradas nas tomadas de decisões em políticas públicas e privadas. Uma iniciativa que vem contribuindo para a integração de contribuições da natureza em políticas públicas é o Plano Conservador da Mantiqueira, firmado em 2016, que busca a restauração florestal de 1,5 milhão de hectares em mais de 425 municípios na área de influência da Mantiqueira, entre Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A iniciativa surgiu após a expansão do bem-sucedido projeto municipal Conservador das Águas, de Extrema/MG, criado em 2005.

Reunindo entidades de governo, iniciativa privada, comitês de bacias hidrográficas, unidades de conservação, organizações não-governamentais ambientalistas, universidades, centros de pesquisas científicas e organizações locais o Plano evidencia a relevância de ações conjuntas na implementação de SbN, possibilitando a compensação de milhões de toneladas de carbono, a preservação da biodiversidade e a garantia de água para cerca de 20 milhões de pessoas. Por meio da canalização de recursos públicos para iniciativas tangíveis de restauração, além do apoio na criação de projetos de lei e regulamentação de PSA, o Plano busca fomentar a agenda de restauração, para que o proprietário rural receba a valoração monetária pelos serviços de adequação ambiental de suas áreas e manutenção da qualidade dos cursos de água.

Entretanto, a ausência dos vínculos claros para o estabelecimento de um mercado de serviços ecossistêmicos é um dificultador para o ganho de escala de muitas iniciativas. É necessário desenvolver instrumentos financeiros que sejam capazes de mensurar o valor presente destes ativos e estabelecer vínculos de trocas, compra e vendas. O mercado de carbono é hoje o mercado de serviço ecossistêmico de maior evolução. O mercado regulado ou os compromissos assumidos no mercado voluntário, estabelecem para o ativo carbono um vínculo mais claro, ainda que com muitas falhas, de compra e venda. Outros serviços ecossistêmicos, não possuem um mercado tão claro e é necessário inovar na estruturação de instrumentos financeiros para que haja o estabelecimento de uma demanda por esses ativos, e a valoração adequada da oferta, conforme descrito acima. Em outras palavras, instrumentos financeiros que tenham como lastro outros serviços ecossistêmicos, tal qual, mas não somente, as CPR-Verdes, podem auxiliar no estabelecimento de um mercado de serviços ambientais.

Aliás, é provável que o valor de determinados ativos ecossistêmicos atribuídos a projetos hoje em desenvolvimento seja significativamente maior para futuras gerações, porém ainda falhamos na valoração e no desenvolvimento de instrumentos financeiros de fato inovadores. A correta valoração de ativos ecossistêmicos, importantes para a estruturação de estratégias de financiamento de longo-prazo para diversos programas sustentáveis, precisa se embasar em uma taxa de desconto que contabilize a relevância desses projetos para gerações por vir refletindo estimativas de retorno ajustado ao risco para gerações futuras.

A combinação de dados ecossistêmicos e econômico-financeiros apoia uma discussão mais ampla sobre a conexão entre ecossistemas, pessoas e finanças. É fundamental o desenvolvimento de soluções escaláveis e indicadores que capturem essa relação, como a contribuição dos serviços ecossistêmicos para a produção econômica, possibilitando a elaboração de parâmetros contábeis ajustados à estimativa do impacto positivo atrelado à natureza. Não somente, medidas de desenvolvimento econômico centrado nas pessoas e na natureza, bem como de controle e prevenção são fundamentais para que possamos, de forma colaborativa, contribuir para as ambiciosas metas e objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), as contribuições nacionais definidas a partir do Acordo de Paris (NDCs) e os compromissos de diversas instituições, municípios e estados que aderiram ao Race to Zero.

Publicado originalmente em Investing.com
  26 de setembro de 2023
Ver Original