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Povos Indígenas: uma história de avanços

Por Toya Manchineri - Coordenador da COIAB e Helcio Souza, Líder da Estratégia de Povos Indígenas da TNC Brasil

Panhre, Koprin e Ngrenhrere Xikrin colhem bananas e mamões na floresta perto da aldeia de Pot Kro.. © Kevin Arnold

Durante o Abril Indígena, mês de mobilização pelos direitos dos povos originários, se intensificam as discussões e debates sobre questões relacionadas à esta agenda em nosso país. Se até os anos 1960 a visão era de que os Povos Indígenas seriam assimilados para sociedade nacional até a sua completa extinção como grupo social, isso mudou de percurso e se fortaleceu a partir da década de 1970, com o crescimento do protagonismo dos Povos Indígenas e a consciência de que eles são parte permanente e essencial da nossa sociedade.

Esse desaparecimento dos Povos Indígenas pela assimilação nunca aconteceu. Pelo contrário, os povos indígenas tomaram o caminho da conscientização de seus direitos e de seu papel na sociedade e, na década de 1970, foram uma das poucas vozes da sociedade civil brasileira que conseguiu denunciar no exterior a ditadura militar do Brasil. 

Os Povos Indígenas se impuseram como interlocutores presentes e ativos e têm hoje um vasto reconhecimento nacional e internacional de seu importante papel como detentores e protetores de territórios que são essenciais para a conservação da biodiversidade e o equilíbrio climático global, com potencial inestimável para contribuir para um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social inclusivo do Brasil.

Essa história de protagonismo dos Povos Indígenas merece ser lembrada e celebrada, pela importância de seus marcos e caminhos que foram abertos para que o movimento se estabelecesse em sua plenitude dentro da história brasileira.

O Brasil tem uma das mais antigas políticas indigenistas do mundo, influenciada pelo positivismo francês, baseada então na assimilação por técnicas educacionais, em contraponto à política de guerra e dominação dos grupos indígenas feita nos Estados Unidos. Criada em 1910 pelo Marechal Rondon, seguida depois pela criação da Funai em 1967, a política indigenista no Brasil era focado em mecanismos de homogeneização e nacionalização dos povos indígenas. 

Nesse momento, surgem também as primeiras grandes assembleias indígenas multiétnicas no Mato Grosso, que são consideradas o nascimento do Movimento Indígena contemporâneo, com o pano de fundo da resistência aos projetos chamados de integração nacional pelos militares, como a rodovia transamazônica e BR-163, que teve um legado de terríveis impactos sobre a vida de muitos povos indígenas.

No fim dos anos 1980, os debates para a elaboração da Constituição Federal resultaram em um capítulo dedicado aos Povos Indígenas, uma grande conquista para época. O papel deles como guardiões da floresta já estava claro quando, no início dos anos 1990, os olhos do mundo se voltaram à Eco-92, no Rio de Janeiro.  Foi também nos anos 1990 que grandes territórios indígenas, como as terras Yanomani e Kayapó Menkranotire, foram demarcadas. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foi fundada e organizações da sociedade civil, como a The Nature Conservancy (TNC), iniciaram um trabalho para que, além da demarcação, fosse possível garantir a gestão territorial dessas áreas pelos indígenas.

Esse trabalho, que tinha como objetivos fortalecer as capacidades organizacionais dos Povos Indígenas e aumentar sua influência sobre as políticas públicas, tem resultados visíveis até hoje, como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental (Pngati) e, mais recentemente, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a presença de líderes e técnicos indígenas atuando diretamente como gestores governamentais. Sua influência tem sido crescente em meios internacionais como as COPs (Conferências das Partes do Clima e da Biodiversidade da ONU). Recentemente, a atuação das organizações indígenas, lideradas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi uma voz imprescindível não apenas na defesa de seus próprios direitos, mas na defesa da democracia brasileira.

 

Hoje, podemos dizer que foi percorrido um longo caminho com avanços importantes e que a sociedade em geral está cada vez mais ciente da importância dos Povos Indígenas com sua cultura, sua espiritualidade e sua forma de se relacionar com a natureza. Eles são fundamentais para manter a Floresta Amazônica, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal, por exemplo. São verdadeiros guardiões das florestas

E, felizmente, podemos ver essa proeminência cada vez mais atuante, o que rompe com a ideia de uma atuação folclórica do indígena. Os Povos Indígenas exercem seu importante papel como cidadãos essenciais em dois grandes desafios em curso em todo o mundo, que são o clima e a conservação da biodiversidade, engrandecendo a importância do respeito aos seus direitos territoriais e a liderança do nosso Brasil no contexto global atual.

 

Publicado originalmente em Correio Braziliense
 29 de abril de 2023
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