Para a saúde do planeta
Medidas que induzem ao consumo não são eficazes na solução a longo prazo.
Por Rubens Benini, líder da estratégia de restauração florestal da TNC na América Latina.
Há 200 anos, o alemão Alexander von Humboldt desenvolveu a ideia de mudanças climáticas provocadas pelo homem e alertou que “humanos estavam interferindo no clima e que isso impactaria as gerações futuras”. Humboldt, ainda no século XVIII, percebia a frágil relação entre o homem e a natureza. Merecidamente é o ser humano que mais recebeu homenagens, com seu nome em inúmeros parques, plantas, etc. Ele foi respeitado, escutado e influenciou tomadores de decisão de sua época, incluindo Thomas Jefferson, James Madison, dentre tantos outros. Exatos cem anos de seu nascimento, pela primeira vez, surgiu o conceito de “Ecologia”, proposto por outro alemão, Ernst Haeckel.
Haeckel percebeu a necessidade de criar uma ciência específica que trataria da relação dos seres vivos e o ambiente onde vivem. A ecologia se tornou conhecida em meados do século XX e, nos últimos 50 anos, vem provando a interconexão entre os elementos dos ecossistemas.
A maneira como a sociedade enxerga o papel das ciências no mundo varia no decorrer dos séculos. Muitos desbravadores foram condenados à prisão ou mesmo à morte por trazerem conhecimentos que hoje nos são óbvios, como a forma de nosso planeta. Porém, novamente, assistimos ataques a cientistas e muitas vezes alertas importantes à humanidade são ignorados.
Há exatamente um ano, fiz uma análise sobre como as mudanças no clima criavam um risco preocupante, ainda subestimado pela maioria dos governantes, mas que representa a maior ameaça para a sociedade em toda a história da civilização.
Os desafios estão interligados. O uso desenfreado dos recursos naturais e a degradação ambiental têm hoje efeito direto na saúde das pessoas, na geração e distribuição de renda, na desigualdade e nas migrações em massa, o que por sua vez ameaça a estabilidade socioeconômica e política.
É interessante notar que um ano depois entramos em uma emergência climática e agora em uma pandemia sem precedentes, de alcance ainda incerto, gerando não apenas a ameaça, mas a própria instabilidade socioeconômica prevista. Apesar de inúmeros alertas e avisos da ciência, mais uma vez, não nos preparamos como deveríamos. Como temos observado, práticas como a escassez de investimentos em saúde e ciência, levam a aumento de óbitos por doenças tropicais. Surge então uma doença viral que causa agora enorme impacto na sociedade: o COVID-19.
Independentemente do tempo que levaremos para encontrar a cura, cientistas fazem alertas da possibilidade de surgimento de novas doenças já há algum tempo. O próprio degelo das calotas polares nos traz riscos associados a isso. É momento de não apenas buscar a cura para doenças pontuais, mas resolver a causa.
Muitos cientistas relacionam o surgimento de doenças virais com a degradação ambiental, falta de práticas sanitárias e destruição de ecossistemas naturais, além de haver uma correlação entre mudanças de temperatura e proliferação de organismos patogênicos.
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Do ponto de vista econômico, os bens naturais e serviços ecossistêmicos são, com frequência, vistos meramente como externalidades e, devido à sua difícil valoração, não entram como deveriam na contabilização do “fluxo de caixa” da produção mundial, tampouco são inseridos como parâmetros de índices usados para medir economias globais e desenvolvimento humano.
No entanto, alguns economistas começam a observar essa grave deficiência no sistema econômico e apontam que estamos próximos a mudanças importantes na economia global, apesar de ainda não termos elementos claros para descrever essa nova abordagem que, de fato, proporcionará a guinada rumo a uma economia sustentável.
Já se sabe que medidas que induzem ao consumo não são eficazes na solução a longo prazo. Pesquisadores do tema relacionam a atual crise global como uma extensão da crise de 2008, e indicam que essa crise pode ser um dos primeiros sinais da não contabilização dos recursos e serviços ecossistêmicos nos modelos de produção. Isso não é um discurso ambientalista, mas sim de uma realidade econômica global.
Caso o modelo econômico presente não seja revisto, as externalidades negativas da degradação ambiental recairão sobre a sociedade, em especial sobre os mais vulneráveis, e comprometerão o desenvolvimento econômico e social. Uma dessas externalidades é o surgimento de novas epidemias, que, como no caso do COVID19, irão gerar perdas econômicas de trilhões de dólares. Isso reforça que as ciências econômicas e ecológicas são interdependentes e devem ser incorporadas em políticas públicas, não apenas em momentos de caos, mas, sobretudo, nas prevenções de catástrofes.
Em poucas semanas de isolamento e confinamento humano, o planeta mostrou sinais de rápido poder regenerativo. Satélites revelaram uma atmosfera limpa em cidades altamente poluídas. Rios e águas tornaram a apresentar melhor qualidade. É um sinal de esperança apontando um novo caminho para resultados importantes na conservação do meio ambiente e saúde global.
A história revela que boas oportunidades surgem nos momentos de crise e que o ser humano tem capacidade de adaptação à essas mudanças. Os avanços proporcionados pela era da tecnologia e da informação poderão contribuir para uma nova economia, baseada em mecanismos limpos de produção, substituição da matriz energética por energia limpa, comprometida com os estoques de matéria-prima, com a recuperação de áreas anteriormente degradadas e com a inserção das pessoas marginalizadas do processo de desenvolvimento socioeconômico.
A produção baseada em baixo carbono associada às soluções baseadas na natureza, como a conservação de ecossistemas nativos, a recomposição florestal, a bioeconomia e as ações efetivas para diminuir o desmatamento caminham na direção desse novo modelo de economia global. Atuar na valoração, conservação e recuperação de florestas, além de gerar emprego e renda, pode contribuir para a manutenção de serviços ecossistêmicos até então não incorporados nos índices de crescimento econômico. Essas atividades podem fomentar a produção sustentável de matéria-prima de base florestal na década da Restauração Florestal (ONU), pois a obtenção desses produtos por meio do desmatamento ilegal já mostra sinais de esgotamento, devendo ser ultrapassada num futuro próximo.
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As temperaturas médias anuais do planeta continuarão a subir, o que pode favorecer o surgimento de novas doenças e o agravamento das atuais, mas a boa notícia é que a ciência nos mostra não apenas as causas, mas também as possíveis soluções e podemos trabalhar em ações para mitigar ou diminuir os impactos.
Devemos atuar nessas soluções para trazer segurança hídrica, maiores garantias de saúde e segurança alimentar, ao mesmo tempo que buscamos um novo modelo de desenvolvimento econômico. Já sabemos que conservação e produtividade devem caminhar juntas por meio de uma abordagem sistêmica, que integre os elos das cadeias produtivas. Neste cenário, escutando nossos cientistas, temos a oportunidade de transformar o Brasil em uma potência sustentável e exemplo para o mundo.