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Floresta viva: ganhos socioeconômicos em favor da vida

Por Marina Aragão, Líder em Economia e Finanças para Amazônia da TNC Brasil

Extrativismo Parakanã
Indígenas do povo Parakanã, do médio Xingu, no Pará, em expedição para extrativismo na Terra Indígena Apyterewa. © Kamikia Kisedje

Diariamente nos deparamos com as consequências do desgaste ambiental que temos vivido. São secas, enchentes, calor ou frio “fora do normal ou de época”. O clima mudou e com ele vemos ameaçado um dos maiores patrimônios do nosso planeta: a sociobiodiversidade. Seguimos avançando rumo a danos irreversíveis ao patrimônio natural, genético e cultural, e cada esforço, cada ação, cada recurso alocado e cada diligência conduzida em oportunidades de investimentos determinam o futuro do nosso planeta.

Enquanto ainda é possível mudar esse quadro para chegarmos a um ponto em que sociedade e natureza prosperem juntas, precisamos de ações urgentes e esforços coordenados visando à destinação de recursos para a sociobioeconomia, valorização da floresta viva e remuneração justa dos serviços ambientais prestados pelos povos da floresta. Porém, é fundamental que, para isso, busquemos investimentos que objetivem simultaneamente, a manutenção da biodiversidade e a necessidade de justiça social, que estão intrinsicamente correlacionados.

Apesar de existir uma tendência global de investimentos em soluções baseadas na natureza (SbN), ainda nos deparamos com grandes desafios que necessitam de atenção especial quando almejamos a manutenção da floresta viva: a dificuldade de dar escala a essas soluções; a tendência de segregação entre pessoas e natureza; a falta de dados, de transparência e de históricos para análise de tendências; e os complexos arranjos de governança que podem contribuir para perpetuar uma lógica de inequidade social são apenas alguns desses entraves.

Precisamos superar as barreiras que impedem fluxos financeiros de aterrissarem de forma a valorizar os saberes de povos e comunidades tradicionais. Ao fomentar a sociobioeconomia de maneira justa, podemos transformar algumas dessas barreiras em oportunidades de atuação.

Um estudo realizado pela The Nature Conservancy Brasil (TNC) em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura mostrou o potencial de 30 produtos da sociobiodiversidade no estado do Pará, sinalizando que as cadeias da sociobioeconomia podem ser não somente um investimento rentável para comunidades locais, mas também importante fator para a manutenção da floresta viva, por meio da valorização dos conhecimento tradicional e da geração de serviços ecossistêmicos. Em 2019, por exemplo, o PIB dessas cadeias produtivas – desde a produção local até a comercialização produtiva - foi de R$ 5,4 bilhões, cerca de 3 vezes o valor da produção rural disposto nos dados das Contas Regionais do IBGE para o mesmo ano. Com a metodologia do estudo, as cadeias da sociobioeconomia paraense seriam responsáveis por mais de 35% da renda gerada pela atividade agropecuária no estado.

O estudo mostrou ainda que, se adotadas políticas de incentivo, a bioeconomia paraense pode chegar, em 2040, a uma geração de renda superior a R$ 170 bilhões, mais de 30 vezes o PIB contabilizado do estado em 2019. Os ganhos econômicos podem ser ainda maiores se somarmos o potencial de serviços ecossistêmicos transacionáveis, como o carbono. Por exemplo, a densidade média de toneladas de carbono por hectares no Xingu, sudeste paraense, varia significativamente com a tipologia territorial, ilustrando este potencial. Em propriedades privadas esta densidade está na ordem de 77 toneladas de carbono por hectare, enquanto em terras indígenas esta densidade chega a uma média de 194 toneladas de carbono por hectare. Territórios quilombolas nesta região indicam elevada densidade de remanescentes florestais alcançando 217 toneladas de carbono por hectare.

No Pará, o Plano Estadual de Bioeconomia, desenvolvido com o apoio da TNC e lançado na COP 27 é particularmente interessante por fornecer diretrizes para o desenvolvimento socioeconômico da agenda no estado. Porém, estamos falando apenas do potencial bioeconômico da Amazônia paraense. Se pensarmos nos demais estados da Amazônia Legal e biomas brasileiros, as oportunidades são ainda maiores, o que pode trazer uma vantagem competitiva para investidores que considerarem a sociobioeconomia como uma oportunidade.

É fato notório que as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade resultam em perdas econômicas substanciais. Aqueles que já reconhecem o impacto da natureza em seus portifólios estão um passo à frente, pois entendem que a ciência continuará a fornecer uma compreensão cada vez melhor desses riscos, sendo capazes de identificar os impactos na natureza de cada compromisso de capital ao setor de uso da terra e florestas. Mas, mais do que considerar riscos, precisamos olhar para os potenciais benefícios socioeconômicos de investimentos centrados na agregação de valor e geração de renda às cadeias da sociobioeconomia, como o fomento a pesquisas, desenvolvimento e tecnologia, entre tantas outras oportunidades.

Porém, particularmente na sociobiodiversidade, o setor privado não deve atuar de forma isolada. Toda e qualquer SbN para a manutenção da floresta viva amazônida precisa ser co-construída junto a comunidades locais, ressaltando o fundamental protagonismo de povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais como líderes nesta agenda. Além disso, há uma necessidade de outros mecanismos de financiamento que não repitam a retórica de mercado que construiu o cenário de elevadas desigualdades sociais, sem a valoração das externalidades positivas sociobiodiversas, sem o respeito aos limites socioecológicos e ausente de estratégias para a mitigação das externalidades negativas, como o uso de práticas de manejo produtivo que afetam comunidades tradicionais vizinhas a propriedades com alto uso de inseticidas e outras tecnologias agropecuárias., Hoje, esta lógica de alocação de capital financeiro é ainda imperante no mercado e na distribuição de futuros dividendos a acionistas.

Ao alinhar as vantagens competitivas e o valor econômico intrínseco à mitigação das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade, podemos de forma conjunta – comunidades locais, setor público, sociedade civil e investidores – impulsionar a alocação de recursos financeiros para a floresta viva, gerando ganhos socioeconômicos em favor da vida.

Publicado originalmente em Investing.com
  18 de maio de 2023
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