Soja: o Papel das Finanças no Desenvolvimento Sustentável do Cerrado
Por Anna Lucia Horta e Gabriel Penteado
Guia de Conduta Ambiental
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É inegável a importância do agronegócio para a economia do Brasil: apenas em 2019, o setor respondeu por mais de 20% do PIB nacional. Sabemos, também, que o agronegócio é diretamente influenciado por fenômenos climáticos em que a falta de chuvas ou picos de temperatura podem gerar quebra de safra e produtividade. O desafio é conciliar a manutenção da atividade econômica e o retorno financeiro dos vários agentes no curto e no longo prazos.
Análises que nós, da The Nature Conservancy (TNC), realizamos em parceria com a Agroicone, mostram que há no Cerrado brasileiro 18,5 milhões de hectares de áreas já abertas e aptas à agricultura, o que representa mais do que o dobro do necessário para incorporar a área de expansão de soja prevista até 2030 pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), de 7,3 milhões de hectares. Fica claro, portanto, que é possível expandir o plantio de soja sem derrubar uma árvore sequer, o que é uma excelente notícia para o objetivo de aliar a produção sojicultora à preservação do bioma, fundamental para conter as mudanças climáticas.
Um dos caminhos
para direcionar a expansão para áreas já abertas, de forma a evitar a
transformação de habitat natural em novas plantações, é a utilização de
mecanismos financeiros. Nesse sentido, por terem acesso a funding
diferenciado, como fundos catalíticos e de mitigação de risco
(de-risking), os financiadores podem desempenhar um papel crucial ao
beneficiar os produtores que priorizam a questão ambiental. Além disso,
os agentes financeiros podem desenvolver novas oportunidades de negócios
e contar com os benefícios reputacionais e financeiros associados à
conservação do Cerrado. Os produtores, por sua vez, passariam a ter
condições mais vantajosas de financiamento, como maior período de
carência, mecanismos financeiros de longo prazo (cuja oferta hoje no
mercado é limitada), juros mais baixos, flexibilização da garantia,
entre outras vantagens, que fomentariam a adoção de boas práticas
agrícolas e a produção livre de desmatamento.
Para contribuir nessa missão, a TNC desenvolveu o Guia de Conduta Ambiental, que visa harmonizar critérios ambientais para instrumentos financeiros, servindo de referência a credores e investidores que queiram criar ou adaptar seus mecanismos para essa agenda urgente.
No Guia, há três
critérios obrigatórios para assegurar a produção de soja sem
desmatamento. O primeiro é simplesmente a conformidade legal do produtor
ou empresa financiada em todas as suas propriedades (não apenas na
financiada); o segundo é a data de referência a partir de janeiro de
2018 para que a propriedade não tenha indícios de desmatamentos; e o
terceiro se refere à necessidade de que eventuais investimentos em
irrigação não ocorram em áreas onde há possibilidade de déficit hídrico,
de acordo com estudos da Agência Nacional de Águas (ANA).
Ainda há cinco elementos adicionais - que podem ser escolhidos e combinados de diversas formas - caso as organizações queiram maximizar o impacto ambiental positivo ou desejem criar uma linha de produtos ainda mais ambiciosa. São eles: a aplicação da data de referência para desmatamento zero desde janeiro de 2018 para todas as propriedades do produtor que acesse o mecanismo financeiro; a priorização de aportes em regiões onde há alto risco de desmatamento e em que a soja é economicamente viável; a exigência da adoção de boas práticas de gestão e agrícolas; a priorização de áreas sem a evidência de conflitos de terras, que podem ser monitoradas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e informações da imprensa; e a adoção dos padrões de desempenho do IFC (IFC PS), o braço do Banco Mundial que trabalha com o setor privado.
Esses requisitos ajudam a direcionar o setor para um modelo mais sustentável e rentável. Estudos mostram que, embora o retorno financeiro da expansão sobre vegetação nativa ainda seja maior do que sobre pastagem degradada, essa diferença pode ser reduzida por meio de ajustes nas condições de financiamento. Nesse contexto, oferecer ao produtor condições financeiras diferenciadas para a expansão sobre áreas já abertas, seja em aquisição ou arrendamento de terras de pastagem, é uma mensagem poderosa em prol de um futuro sustentável para o setor, ao buscar segurança alimentar ao mesmo tempo em que conserva o bioma.
Para o setor agrícola manter, no médio e no longo prazos, seu papel de propulsor da economia será necessário o envolvimento dos diversos atores das cadeias de valor, desde o investidor até o produtor, para que as práticas produtivas e os mecanismos financeiros sejam capazes de refletir a interconexão entre a produção agrícola e os recursos naturais.
Publicado originalmente em Investing.com
30 de dezembro de 2020
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Anna Lucia Horta é gerente de negócios e investimentos e Gabriel Penteado é especialista em negócios em investimentos, ambos na The Nature Conservancy Brasil.