Produtor rural andando com seu filho em propriedade da família.

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Inclusão no campo para combater o desmatamento

Para frear a perda de floresta é preciso estratégias de comando e controle, mas também ações inclusivas para geração de renda no campo.

Por Aline Perez - Diretora de Engajamento Corpoorativo da TNC Brasil

O combate ao desmatamento certamente exige ações e políticas de comando e controle, mas só isso não é o suficiente. Precisamos, também, de ações propositivas eficazes para frear o desmatamento e estimular modelos mais sustentáveis de produção, que possam garantir a geração de renda para produtores rurais, comunidades tradicionais e povos indígenas.

Para isso, é importante entender o complexo cenário das causas do desmatamento. No censo agropecuário de 2017, cerca de 265 mil imóveis rurais reportaram criar até cem cabeças de gado nos municípios da Amazônia Legal, que engloba nove estados da bacia Amazônica.

São produtores que, em geral, possuem baixa educação formal, baixo acesso à assistência técnica, baixo grau de associativismo, vivem em municípios com déficit de infraestrutura rural e, consequentemente, têm baixa produtividade e rentabilidade.

Para complementar, essas condições dificultam o acesso ao crédito formal, o que acrescenta outras barreiras a serem vencidas para um processo de transição para uma produção mais sustentável e rentável. Esse problema também passa pela falta de regularização fundiária e ambiental, que impede produtores de comprovarem a legalidade de sua propriedade e produção rural de forma a conseguirem financiamento para melhorias produtivas.

Desta forma, quando produtores são simplesmente banidos da cadeia legal de comércio, como forma de conter o desmatamento, o efeito pode ser contrário. Para escoar sua produção, alguns produtores podem procurar novas maneiras de se conectar à cadeia. No caso da pecuária, isso leva ao que chamamos de “lavagem de gado”, que acontece quando uma propriedade regularizada comercializa animais de propriedades bloqueadas.

Os dados do Ministério Público Federal do terceiro ciclo do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Pecuária, de 2021, auditoria que acompanha a cadeia produtiva da carne com o objetivo de rastrear a origem dos animais abatidos de forma a coibir o desmatamento ilegal da floresta, ajudam a demonstrar a complexidade da situação.

A quantidade de animais fiscalizados mais do que dobrou, saltando de 2,2 milhões para 5,8 milhões, mas as irregularidades registradas também aumentaram, passando de 137 mil para mais de 376 mil.

Então, se a política de controle por exclusão de atores ilegais não tem resolvido efetivamente o problema, como é possível constatar com as taxas de desmatamento atuais, o que fazer?

Discurso propositivo

Precisamos construir um discurso propositivo para o combate ao desmatamento. Há anos várias instituições vêm tentando implementar diversas estratégias. E embora tenhamos observado uma redução do desmatamento, comparado aos piores anos da análise histórica, temos visto, também, uma tendência de aumento.

Para buscar novos – e efetivos – resultados, acredito que uma agenda combinada entre comando e controle e implementação de políticas públicas, associada a estratégias de incentivos privados – e não apenas exclusão – podem trazer uma melhoria ao cenário.

Aliás, nos últimos anos temos visto um aumento na criação de mecanismos de incentivo à regularização, incluindo o apoio do setor privado, que é um componente mais recente na agenda de combate ao desmatamento, que precisa ser incentivado e fortalecido.



Assim, ao invés de reduzir o acesso ao crédito formal que vai para produtores, e que pode piorar a situação, é necessário que existam soluções que envolvam todos os agentes das cadeias.

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Para resultados efetivos, é preciso uma agenda combinada entre comando e controle e implementação de políticas públicas, associada a estratégias de incentivos privados.

É necessário envolver órgãos públicos, de regularização fundiária e ambiental, por exemplo, para atuar junto com empresas e a sociedade civil para desenvolver critérios claros e transparentes, e programas consistentes de reinclusão que possam reverter a situação ilegal na sua cadeia de produção e monitoramento, pondo em prática a regularização.

Esta é uma forma muito mais efetiva de fortalecer o monitoramento dos causadores do desmatamento que estão em situação ilegal e, caso sejam constatadas irregularidades que possam ser superadas, criar maneiras de, administrativamente, reinseri-los na cadeira legalmente.

Outra parte importante da equação é a criação de incentivos financeiros para que empréstimos e financiamentos sejam condicionados ao investimento em um plano de transição para modelos mais sustentáveis de produção e monitoramento na cadeia.

Neste sentido, a The Nature Conservancy (TNC) tem trabalhado em parceria com empresas, o poder público, sindicatos e cooperativas de produtores rurais para promover modelos de produção capazes de aumentar a produtividade em áreas já abertas, evitando novos desmatamentos.

É o exemplo da iniciativa Cacau Floresta, que promove a restauração de áreas de pastagem degradadas usando plantio de cacau em sistemas agroflorestais.

Na pecuária, tanto ações de intensificação sustentável da produção como o desenvolvimento de ferramentas de rastreabilidade, que contribuem para o rastreamento das cadeias de pecuária por meio da inovação tecnológica com blockchain, desempenham um papel importante nesse arranjo. Além disso, é preciso uma articulação entre atores públicos e privados, melhorar processos e fortalecer a implementação de mecanismos e dispositivos legais.

Nesse contexto, a TNC co-lidera a iniciativa “Parcerias para Agropecuária Responsável”, que tem como objetivo promover essas articulações e apoiar o Estado, setor privado e produtores rurais na produção de carne bovina livre de desmatamento.

Isso não significa que o comando e controle não sejam importantes. Pelo contrário. É preciso aliar, de um lado, o monitoramento, capaz de identificar o desmatamento e seus responsáveis, e, do outro lado, a resolução do problema em sua raiz, por meio de plataformas multi atores capazes de reinserir no mercado produtores que se comprometerem a seguir critérios que contribuam para a redução do desmatamento e restauração das florestas.

A boa notícia é que esta abordagem já tem rendido bons resultados. Por meio de políticas colaborativas para fortalecer o desenvolvimento sustentável, em 2021 o Pará foi o estado que apresentou o menor incremento percentual de desmatamento na Amazônia, em relação a 2020 (7%).

O desmatamento também caiu, em relação ao ano anterior, nas Terras Indígenas (TI), nas Unidades de Conservação (UC) de proteção integral estaduais e nas UCs de uso sustentável estaduais, historicamente pressionadas em seus entornos pela expansão produtiva.

Estes dados reforçam que é importante e viável proteger e restaurar a floresta, sem impedir o aumento da produção e buscando o bem-estar social.