Indígenas Parakanã caminhando para coletar castanhas-do-Pará na Terra Indígena Apyterewa, no Pará.
Retorno do Castanhal Indígenas Parakanã caminhando para coletar castanhas-do-Pará na Terra Indígena Apyterewa, no Pará. © Luciana Lima/ TNC Brasil

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Fortalecer a bioeconomia é uma oportunidade para valorizar a proteção das florestas e alavancar novos mercados na Amazônia.

Este estudo pretende contribuir na construção de políticas inclusivas que façam uma melhor distribuição da renda dentro das cadeias produtivas.

Por Ian Thompson - Diretor Executivo TNC Brasil

Em um dos painéis realizados no Fórum Mundial de Bioeconomia, a The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura, apresentou o estudo “Bioeconomia da sociobiodiversidade no estado do Pará”. Realizado com o objetivo de mostrar os números mais relevantes sobre a economia da floresta em pé e a contribuição dos povos e comunidades tradicionais a esse mercado, que vem sendo subestimada pelos dados oficiais.

No estudo, coordenado pelo professor Dr. Francisco de Assis Costa, do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA), foram examinados 30 produtos da sociobiodiversidade do Pará, entre eles o açaí, amêndoa de cacau e castanha-do-pará, que resultaram informações e análises pioneiras sobre a agregação de valor ao longo de toda a cadeia produtiva.

Em 2019, a renda resultante das cadeias dos produtos analisados foi de R$ 5,4 bilhões! Neste ponto, vale esclarecer que o valor é aproximadamente três vezes maior do que o registrado pelas estatísticas oficias do IBGE, que indicava um PIB de R$ 1,9 bilhão no mesmo período, porque esse valor inclui apenas a produção rural. Além disso, estima-se que esses mercados tenham gerado cerca de 224 mil empregos.

A farmer holds Brazilian nuts on his property in São Félix do Xingu, Brazilian Amazon.
Castanhas Produtor mostra castanhas. © João Ramid

Os produtos que mais se destacaram no estudo realizado - açaí, amêndoa de cacau, castanha-do-pará, palmito, borracha, tucumã, cupuaçu-amêndoa, cumaru, murumuru e óleo de castanha-do-pará – foram responsáveis por mais de 96% da renda gerada, o que equivale a R$ 5,2 bilhões.

Fazendo a projeção dos ganhos econômicos futuros nas próximas duas décadas, o estudo evidencia que apenas com o açaí e a amêndoa de cacau, os produtos de maior valor agregado, a renda total gerada pelas cadeias produtivas pode chegar a R$ 170 bilhões em 2040.

Porém, o desenvolvimento da sociobioeconomia do Pará enfrenta vários desafios, prejudicado pela ausência de políticas públicas e avanço do desmatamento e da degradação florestal.  Especialmente considerando que, desde 2006, o Pará é o estado amazônico que mais desmata florestas, sendo responsável por 47% do desmatamento total do bioma em 2020.

Assim, o estudo apresenta, também, recomendações para que o desenvolvimento da sociobioeconomia no Pará aconteça de forma próspera e justa, beneficiando todos os que fazem parte das cadeias produtivas e sem prejudicar o meio ambiente ou as comunidades e povos tradicionais.

Começo por destacar a recomendação da necessidade de políticas de desenvolvimento rural, como inovação, crédito e assistência técnica, dirigidas às necessidades das comunidades extrativistas e da agricultura familiar baseada em Sistemas Agroflorestais.

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Os produtos que mais se destacaram no estudo realizado - açaí, amêndoa de cacau, castanha-do-pará, palmito, borracha, tucumã, cupuaçu-amêndoa, cumaru, murumuru e óleo de castanha-do-pará

Depois, perante a ausência de estatísticas oficiais sobre os diferentes elos da cadeia de valor dos produtos locais e da importância desses mesmos setores para a geração de emprego e renda na economia local, o estudo sugere a criação de um sistema contínuo de base de dados das cadeias de valor dos produtos.

É importante, também, favorecer os povos tradicionais e as áreas com potencial para o desenvolvimento das cadeias de produtos florestais não madeireiros. É recomendado, portanto, que seja dada prioridade a planos de regularização fundiária dos territórios de uso comum.

O quarto eixo de atuação recomendado é o desenvolvimento de mecanismos financeiros de precificação dos serviços ambientais, como o Pagamento por Serviço Ambiental (PSA), vinculando o serviço ambiental fornecido pela conservação da floresta ao produto e ao produtor da cadeia de valor. Outra recomendação é a de criar selos de certificação de serviços ecossistêmicos, um sistema de rastreabilidade dos serviços ambientais. Este pode ser fundamental para agregar valor aos produtos incorporando a precificação dos serviços ecossistêmicos gerados.

Por último, aborda a importância da criação de incentivos fiscais para produtos da sociobiodiversidade transacionados dentro do estado do Pará e a aplicação da alíquota diferenciada para as operações de comércio interestadual e exportação para outros países, por se tratar de produtos específicos do bioma.

Indígena Parakanã em expedição para coletar matéria-prima para artesanato produzido pela comunidade na Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará.
NO CAMINHO DA FLORESTA Indígena Parakanã em expedição para coletar matéria-prima para artesanato produzido pela comunidade na Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará. © Kamikia Kisedje

O estudo conclui que praticamente todas as cadeias de valor são direcionadas à economia local, com suas produções consumidas na região e a renda distribuída no próprio Pará. O alto valor econômico gerado pelos produtos deste mercado evidencia que investir na bioeconomia é essencial para gerar renda e empregos, já que as cadeias de valor empregam grande parte dos estabelecimentos familiares, além de proteger a floresta.

Este estudo inédito é importante pois proporciona uma visão sobre toda a cadeia, desde o elo inicial da produção rural, até o final, com as vendas dos produtos nos vários mercados. Aproveitar o grande potencial de desenvolvimento dessa cadeia no estado do Pará é essencial para dar escala à comercialização destes produtos que ajudam a valorizar a proteção da natureza e das florestas.

Aliás, esta metodologia pode – e deve! - ser replicada em qualquer geografia, uma vez que existe uma escassez de estatísticas dessa economia. É essencial a contabilização da variedade de produtos em um determinado território para que seja possível fortalecer políticas públicas locais para a proteção da biodiversidade.

Um estudo como este pode contribuir na construção de políticas inclusivas que façam uma melhor distribuição da renda dentro das cadeias produtivas, remunerando de forma adequada as comunidades e as incentivando para proteger as florestas. A extensão de floresta Amazônica e a diversidade sociocultural dos povos tradicionais do Pará fazem deste um dos maiores exportadores de produtos da sociobioeconomia brasileira, enquanto protegem a natureza, e isso precisa ser valorizado cada vez mais.